Série B: a base esquecida num campeonato que envelhece

 Série B: a base esquecida num campeonato que envelhece

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				Série B: a base esquecida num campeonato que envelhece
— Foto: rafaelribeirorio/CBF

A Série B sempre foi terreno de luta, suor e sobrevivência. Mas, em meio à intensidade e ao imediatismo da competição, há um dado que salta aos olhos: os jovens praticamente desapareceram.

Enquanto alguns clubes ainda falam em “projeto de base”, a prática mostra o contrário. A cada rodada, o banco de reservas é dominado por veteranos e reforços importados. E quando um garoto consegue espaço, costuma ser exceção, não política.

O futebol brasileiro, historicamente formador de talentos, parece ter criado uma barreira invisível na divisão que mais revela o retrato real do país: pressa, desconfiança e medo de errar.

A pergunta é simples, mas incômoda: por que a Série B não confia mais na própria base?

Pra tentar responder, ouvi quem vive o futebol por dentro. Dirigentes, técnicos e analistas que lidam diariamente com as pressões, as planilhas e os bastidores de um campeonato onde a sobrevivência fala mais alto que o futuro.

Eduardo Barroca: o jogo de força e o tempo que a base não tem


				Série B: a base esquecida num campeonato que envelhece
Eduardo Barroca – CRB. (Foto: Divulgação/CRB)

“O ambiente da Série B é o mais desafiador do país”. É uma competição de altíssima exigência física, de contato, choque e disputa. A força ainda prevalece sobre o talento.

O jogador que sobe da base chega ao profissional, na maioria das vezes, precisando maturar. Só que o contexto da Série B não permite esse tempo.

O treinador precisa entregar resultado imediato, o torcedor quer o nome experiente e o dirigente sabe que duas derrotas seguidas viram crise. É uma engrenagem que não protege o jovem.

O caminho pra mudar isso, na minha visão, passa também por política pública dentro do futebol. A CBF poderia estabelecer, por exemplo, a obrigatoriedade de inscrever um número mínimo de atletas sub-23 nas competições. Isso forçaria os clubes a olhar pra dentro e a construir planejamento.

Sem imposição, a lógica do imediatismo vai continuar sufocando a formação.”

Dado Cavalcanti: o mercado inflacionado e o efeito cascata


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Dado Cavalcanti – CEO da Squadra Sports. (Foto: Divulgação/squadra)

“A Série B deste ano está sendo atípica. Há dois fatores que explicam bem essa baixa utilização da base”.

Primeiro, o futebol está inflacionado. As ligas e as negociações de transmissão colocaram muito dinheiro no mercado de uma vez só.

Segundo, as casas de apostas hoje patrocinam a maioria dos clubes das Séries A e B. Esse dinheiro gerou um efeito cascata, com folhas inchadas, contratações em excesso e pouco espaço pros meninos.

Com tanta importação de jogadores, até atletas de Série A vieram pra Série B, e naturalmente os jovens perderam espaço.

O problema é que o cenário ficou artificial e insustentável. No ano que vem, com clubes já pedindo reequilíbrio financeiro, deve vir uma correção, e talvez aí a base volte a ter vez.”

Alarcon Pacheco: gestão, paciência e o peso da sobrevivência


				Série B: a base esquecida num campeonato que envelhece
Alarcon Pacheco alagoano e Executivo de futebol do Vila Nova -GO. (Foto: Divulgação/Vila Nova-GO

“A Série B é o retrato mais fiel do imediatismodo futebol brasileiro.

Muitos clubes vivem dela e dependem dos resultados pra pagar as contas. Nesse cenário, é natural que o dirigente escolha o jogador pronto, mesmo que custe mais caro.

A base pede tempo, confiança e estrutura, três coisas que a Série B não oferece com facilidade.

Alguns exemplos mostram bem o contraste. O Amazonas tem 15 estrangeiros no elenco e apenas um jovem brasileiro, Rafael Monteiro, de 21 anos, que veio da base do Fluminense, e não do próprio clube.


				Série B: a base esquecida num campeonato que envelhece
Arthur Dias, Léo Derik e Dudu – Joias da base do Furacão.. (Foto: Gustavo Oliveira/Athletico)

Na contramão, o Athletico Paranaense mostra que é possível equilibrar performance e formação.

O zagueiro Arthur Dias, de 18 anos, disputou 11 jogos, sendo 10 como titular, somando 1.118 minutos. O meia Dudu Kogitzki, de 19, já atuou 16 vezes, marcou 3 gols e foi titular em 5 partidas. O lateral Kauã Moraes, também de 18, jogou 14 vezes, 13 como titular, com 1.118 minutos e 1 gol, até ser negociado com o Cruzeiro. Há ainda João Cruz, Mycael e Léo Derick, todos oriundos da base e participando da campanha.

No CRB, o cenário é outro. Kallyel foi relacionado 10 vezes e atuou em 4 partidas como titular, totalizando 388 minutos. Darlisson teve 3 jogos, 1 como titular, com 114 minutos jogados. Dioran apareceu uma vez e jogou 16 minutos. São números que escancaram como a distância entre revelar e aproveitar ainda é enorme.”

O futuro que não entra em campo

A Série B virou um espelho distorcido do futebol brasileiro: clubes endividados, projetos curtos e uma pressa que não combina com formação.

O medo de errar tomou o lugar da coragem de formar. A base, que sempre foi o orgulho nacional, hoje é vista como risco, não como solução.

Enquanto uns importam jogadores, outros exportam paciência.

O futebol brasileiro se acostumou a resolver urgências e a adiar o futuro, e é exatamente por isso que produz menos protagonistas do que antes.

O caso do Athletico-PR é a exceção que confirma a regra: investir na base dá resultado, desde que haja método, convicção e sequência.

Mas, na maioria dos clubes da Série B, o relógio anda mais rápido que o planejamento.

A conta, cedo ou tarde, chega. E quando ela vier, talvez se perceba que o talento que o futebol brasileiro procura já estava dentro de casa, só não teve tempo, nem espaço, pra jogar.

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